sábado, 13 de março de 2010

Platão, comédias românticas e a perfeição.

Em um lindo dia de sol na bela cidade de Atenas, às margens do mar mediterrâneo, um belo rapaz de ombros largos matutava sobre a perfeição. Pensou, pensou, pensou, buscando avidamente um exemplo tangível de esmero dos deuses, requinte dos tempos... Um exemplar de perfeição. Então, ele olhou à sua volta com atenção – A beleza do oceano tirava-lhe o fôlego! O brilho dançava gracioso no azul celeste, que de tão celeste esquecia-se do horizonte e se confundia com o céu. ‘Perfeito, perfeito!’, ele pensou.

No entanto, em seguida, pensou nos naufrágios e nas mortes prematuras causadas pela ressaca dos oceanos, e Platão não via nada de perfeito na morte.

Continuou sua busca pela beleza completa: a mulher mais bonita era casada ou arisca, não servia; o peixe mais fresco, muito caro; os homens mais sábios, muito arrogantes.

Platão então pensou: ora, não há nada de perfeição à minha volta! Ele era certamente um rapaz muitíssimo esperto, mas não é necessária muita esperteza para constatar isso. O que há de feio do mundo, mais do que o que há de belo, sempre salta aos nossos olhos.

‘Mas há perfeito em minha cabeça’, Platão pensou. ‘Na verdade, só há perfeição em minha cabeça’. E Platão concluiu, meus caros leitores, que sua cabeça continha resquícios do mundo verdadeiro, do mundo da perfeição, dum mundo das idéias, onde tudo era perfeito. Nossa realidade pobre e rota seria apenas um reflexo falho das idéias perfeitas de outro mundo que não esse.

Claro que isso tudo foi uma brincadeirinha. Não, eu não faço a mínima idéia de como Platão chegou a sua teoria do ‘mundo das idéias’. Mas eu sei bem que, séculos e séculos depois, a perfeição continua ludibriando os nossos olhos.

A perfeição já foi ambicionada por tantos homens: renascentistas ou iluministas, doidos ou sãos, bonitos ou feios, sempre há alguém suspirando em busca do perfeito. Até nossa literatura de quando em quando buscam a perfeição: arte pela arte, sonetos, redondilhas maiores, menores, decassílabos, que seja!

Exemplo: Outrora pensadores políticos contaram histórias de cidades perfeitas onde todos viviam em harmonia: daí surge o pensamento político socialista utópico baseado num horizonte de sociedade perfeita que deve ser alcançado.

Supostamente antagônico, mas não tanto assim, o modo de produção capitalista também lida com a perfeição: metas, metas, metas! Fazer bem feito não é suficiente, a concorrência e o livre mercado pedem perfeição. Quem somos nós para negar?

Mas não é só de pensamento sócio-político que vive o homem: mesmo pensando no nosso mundindo de forma prática, aí está a perfeição a nos atazanar: Nossas roupas, nossos empregos, nossos salários, nossos carros, nossa imagem, nossos relacionamentos – tudo parece pedir perfeição. Aquela roupa igual a da Helena da novela, aquele emprego dos sonhos, aquele salário que eu sempre pedi a deus, aquele carro do ano, aquele nariz da Débora Secco, a aquele casamento de final de filme americano...

Tanta perfeição não cansa?

Levante a mão (e se mate logo em seguida) quem nunca assistiu uma comédia romântica americana daquelas bem açucaradas. Eu, particularmente, me divirto bastante assistindo um filminho daqueles bem enjoados. Quem não quer um final feliz daqueles?

Só que nenhum desses filmes mostra o que acontece depois do beijo final.

O mocinho puxa a mocinha pela nuca com firmeza, mas sem perder a delicadeza que aquele momento pede. A mocinha entreabre seus lábios, com a respiração acelerada e o coração palpitante. Olhos nos olhos, narizes muito próximos e... O resto vocês já sabem.

O fato é que os filmes não mostram o que acontece depois desse beijo porque o que vem a seguir é exatamente igual à realidade: o casal vai se dar bem; vai se beijar muitas outras vezes; eles vão se divertir muito juntos; vão brigar de vez em quando; vão fazer amor, ou não; vão ficar juntos pro resto da vida, ou não; vão se amar, ou não.

O espaço amostral de 120 minutos é muito pouco para exibir o zigue-e-zague que a vida pode ser. O filme mostra o final feliz, mas, depois, incerteza é a regra.

Não há nada na vida semelhante ao final de um filme, porque o final deles é o nosso começo.

Você e sua mãe brigam como em ‘Sexta-Feira Muito Louca’? Pois bem, pode ser que vocês façam as pazes como no filme (apesar de eu achar improvável que vocês troquem de corpo e tudo mais). Mas, acredite em mim, mesmo depois de toda aquela ladainha, vocês vão voltar a discutir. Pode ser por outros motivos ou pelos mesmos, com menor ou maior freqüência, mas eu garanto que um dia vocês vão voltar a bater boca.

Você pegou um cara com pinta de cafajeste, mas que no fundo tem um coração enorme, e ainda louquinho por você? Exatamente como em ‘A Verdade Nua e Crua’? Que sorte! Mas eu devo avisar que vocês tanto podem ficar juntos para sempre, como não. E mesmo que fiquem, nada é perfeito! Um dia vocês vão discutir, seja por ciúmes, seja porque algo te incomoda nele, seja por causa da escola em que vocês vão colocar seus filhos...

Eu não estou pregando a infelicidade, meus caros. Não é que nós não possamos ser felizes, só não podemos ser felizes o tempo inteiro! Hoje ostentamos um sorriso enorme, mas amanhã acordamos com o pé esquerdo. Quem liga, depois de amanhã a gente vai acabar sorrindo do mesmo jeito!

Não é que felicidade não exista, mas é a perfeição que está difícil de encontrar. E, enquanto não pararmos de comparar nossas vidas com eles modelos perfeitos que só existem no mundo das idéias, não vamos enxergar a felicidade que está bem na nossa frente. Brigar é normal, chorar é normal, ter defeitos é absolutamente normal... Nós só não podemos arrancar nossos cabelos por causa disso, queridos leitores.


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