domingo, 4 de abril de 2010

Saindo da Rotina

A vida vai, vem, dá meia volta e rodopia. Life’s a bitch, faz o que quer na hora que bem entende e o nosso controle sobre ela é bem menor do que gostaríamos que fosse. Por isso mesmo eu me sinto insegura de escrever sobre minha vida pessoal publicamente. Ninguém sabe do futuro, então eu me abraço à auto-proteção de guardar meus sentimentos para mim mesma.

Se bem que quando a gente escreve – e eu disse isso em uma das últimas postagens – a gente sempre deixa um pouco da nossa vida ali, como uma marca d’água. Então, todos os meus textos têm, naturalmente, bastante de mim. Mas hoje eu vou fazer um pouco diferente. Um dia especial merece reverências especiais.

Nem todos sabem por que hoje é um dia especial, mas os que sabem vão entender a razão de hoje o texto ser assumidamente meu.

O fato é que nós estamos perdidamente sozinhos.

Nossa mente é um emaranhado complexo de pensamentos, sinapses, sentimentos, deduções, ou seja lá como você queira chamar. Como um universo aprisionado numa cabeça de alfinete. Deve ser uma loucura lá dentro, tanto é que quando escapa um pouquinho desse emaranhado, sem passar pelo filtro da nossa racionalização, percebemos a bagunça – nos sonhos, por exemplo.

Se você olha para uma equação matemática e acha difícil, é porque você nunca se deparou frente a frente com um sentimento. Na verdade, ninguém nunca se deparou, e esse é o grande problema. Pensar já é complicado, imagine só sentir. Imagine não, lembre-se, porque todo mundo invariavelmente já sentiu algo. Não sentir frio, ou calor, ou fome, mas se sentiu sozinho, incompreendido, amado, amante, com medo, inseguro, etc.

O grande problema é que nossa linguagem é deficiente. Se a boca humana já tem dificuldades para explicar uma pontada no estômago ou uma dor de cabeça, imagina só a bagunça que é falar de sentimentos.

Como explicar, então, algo abstrato como o amor, por exemplo?

Aí alguém diz: ah.... Amor é amor, bolas. É amar, dã.

De fato, ao longo de séculos e séculos inventamos palavras para expressar os sentimentos. É algo inevitável diante da necessidade social de comunicar-se. Mas toda e qualquer palavra nasce vazia, nós é que a preenchemos – uma hora com um significado, outra hora com outro, numa eterna dança. Por isso toda e qualquer palavra possui uma variabilidade semântica imensa.

Só que preencher o significado de uma palavra como ‘flor’, por exemplo, é significativamente mais simples do que preencher o significado da palavra amor. A ‘flor’ possui um referencial externo compartilhado. Pode até ser impossível descrevê-la por completo, mas, ao menos, é possível descrevê-la de forma relativamente satisfatória.

Como preencher, então, a palavra amor? Como saber se o amor que eu sinto é o mesmo amor que você sente, se eles estão irremediavelmente aprisionados em nossas mentes? O que eu chamo de amor, pode você chamar de obsessão? O que eu chamo de amor, pode você chamar de amizade? O que eu chamo de amor, pode você chamar de desejo, paixão?

Como comparar o meu amor com o seu, para que cheguemos a um denominador comum mastigado e pronto para preencher a palavrinha oca ‘amor’?

Não há como, queridos leitores. A linguagem é a ponte que se propõe a unir duas pessoas, só que essa ponte está quebrada. Criar ‘tipos ideais’, definições universais para palavras como amor, solidão, saudade, tristeza, carinho, compaixão, desejo, culpa é pura perda de tempo. Já é falha a linguagem quando lidamos com um referencial externo como ‘flor’, imagine como ela é capenga para falar de uma coisa que é minha e só minha, e ao mesmo tempo sua e só sua, e ao mesmo tempo dele e só dele, que é o amor.

Então somos caixas fechadas, bem embrulhadas, perambulando por aí. Por mais que uma caixa tente dar dicas do presente que guarda dentro de si – se chacoalhando para mostrar o som, se aproximando para mostrar o cheiro – a outra caixinha jamais saberá. E por mais que uma caixa conte para outra o que há dentro de si, com toda a sinceridade que cabe dentro do seu coraçãozinho de caixa, a outra jamais terá visto, tocado, sentido o presente em suas mãozinhas de caixa.

Por mais que você grite ‘eu me sinto sozinho’, ninguém além de você jamais terá experimentado a sua solidão. Por mais que você escreva uma carta chorosa e saudosa, o leitor jamais terá sentido sua saudade. Por mais que você sussurre no ouvido do outro ‘eu te amo’, apenas você vai ter sentido e conhecido aquele amor.

Estamos sozinhos porque somos mudos. Jamais veremos o presente guardado dentro do embrulho que é o outro. Tentamos nos aproximar, nos tocar, tentamos explicar, nós tentamos... Mas a ponte sempre esteve e sempre estará quebrada.

Provemos: tente explicar o conforto que é ouvir aquela voz daquela pessoa especial. O máximo que eu consigo é, com os olhos fechados e um sorriso bobo atravessado, dizer que é bom e enche meu peito com uma sensação gostosa de calor e segurança. Os olhos e o sorriso são meros sintomas e dizer que é bom, quente e seguro não define absolutamente nada. E você, caro leitor, conseguiu obter resultados melhores que os meus?

Tentemos novamente: explique a sensação daquele abraço carinhoso daquela pessoa especial. Bom, eu me sinto profundamente protegida, como se os problemas do mundo fizessem ‘puft’ e sumissem. Eu sinto um calor gostoso dentro de mim, misturado com a sensação de que eu sou verdadeiramente importante. Apesar de ‘aquele abraço’ ser muito, muito, muito bom, eu cai novamente em palavras vagas como calar gostoso e segurança. E, sejamos honestos, quem já experimentou um abraço verdadeiramente carinhoso sabe que ele vai inexplicavelmente mais além do que essas minhas palavras frias.

Mas, apesar de todas as pontes quebradas e perrengues, nós sentimos carinho, sentimos medo, sentimos compaixão, sentimos saudade, sentimos amor; apesar de todos os entraves, nós sentimos. E isso, pacientes leitores, na minha humilde opinião, é uma das coisas mais belas do mundo.

Encontrar os olhos de uma pessoa especial, bem fincados nos seus; abraçar apertado; beijar longamente; ganhar um cafuné carinhoso nos cabelos; sorrir juntinho, com os olhos bem grudados, como se as risadas compusessem uma melodia juntas; sentir o calor de uma mão amiga na sua; reconhecer o cheiro de alguém bem querido; se sentir importante por receber o carinho que se gosta, sem precisar pedir; reconhecer uma mão carinhosa em seu rosto, mesmo de olhos fechados; dizer ‘eu te amo’ e ouvir de volta –não há palavra nesse mundo que chegue perto de explicar o que acontece dentro da gente nesses momentos.

Mas mesmo assim esses momentos acontecem e ainda bem que eles acontecem, ou a vida seria muito sem graça.

Porque, por mais que estejamos invariavelmente sozinhos dentro de nossas caixas pensantes, não podemos parar de tentar nos aproximar. Como já disseram os grandes, ‘For well you know that it's a fool who plays it cool, by making his world a little colder’.

Se falar é difícil, o que nos resta é sentir. Às vezes, os momentos em que estamos mais próximos de alguém, são os sem palavras: seja num olhar, num abraço, num choro compartilhado, num beijo intenso, numa tarde lado a lado, num momento de paixão.

Mágicos são os momentos em que você, apesar de todas as pontes interditadas, se conecta com aquela pessoa especial – totalmente, completamente. É como voar, voar sobre o abismo e sua ponte quebrada e, por um instante, sentir o chão firme do outro lado sob seus pés.

Então, em nome do que é bom e gostoso nessa vida, vamos tentar juntar nossas caixinhas. Por mais que os presentes estejam escondidos, pelo menos estarão lado a lado, juntos.

Um conselho? Quanto mais juntinho, melhor. Quem vai ser o tolo de dizer que isso não é bom?

3 comentários:

  1. Mas você é mesmo uma pessoa diferente, né? ;)
    Que texto mais lindo... Os abismos da linguagem de uma forma bem reflexiva, poética, sincera, corajosa...

    O que eu acrescentaria é que o fato de sermos caixinhas que guardam presentes dentro de si, ou seja, que não conseguem se expressar com perfeição, não deve ser algo angustiante.
    É bom termos um mundo só nosso, em que reinam as nossas sinapses! Na verdade, é isso que nos torna diferentes, é esse mistério que nos impulsiona ao outro.
    Se todos fôssemos capazes de nos entender totalmente, perderíamos nossa identidade/humanidade (chegando a uma espécie de divindade) e não permaneceríamos vinculados às pessoas, pois não haveria um crescimento conjunto para injetar uma dinâmica na vida.

    Em todo o caso, posta mais textos para que a ponte entre você e seus amigos vá aos poucos se remendando! :D

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  2. adorei o texto. é realmente verdade. As frases simples, os versos simples, objetivos, dão uma clareza de linguagem e nos levam a imaginar e a sentir empatia pela autora do txt, por poder escrever de algo tão complicado (a linguagem) e poder falar dela com tão surpreendente força é.... algo sem palavras (indescritível para mim).
    PALMAS para você, M.
    Continue firme e qndo tiver o livro publicado, n esquece q eu KERO TER UM!!!
    rs
    alohaa

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  3. me emocionei, sério!
    e como emoção, como vc mesmo disse, não descreve, ou melhor, não é possivel descrevê-la de forma tão completa a ponto de vc conseguir senti-la ou entender a forma que senti, deixo apenas as reticências de um respirar profundo...

    Natália

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