sábado, 31 de julho de 2010

A estória de Joãozinho e Pedrinho - ou sobre como as pessoas mudam e continuam as mesmas

Joãozinho e Pedrinho eram os melhores amigos que esse mundo já viu- faziam tudo juntos. Desde que, quando molequinhos, um grandalhão da rua ameaçou Pedrinho e Joãozinho correu para defendê-lo (e acabou levando uns safanões também, mas não por falta de coragem!), tornaram-se companheiros para brincadeiras, estudos, brigas e tristezas. E eles eram assim mesmo, Joãozinho era tão valente que chegava a ser bobo, porque era franzino e raramente ganhava uma briga. Já Pedrinho era um gordinho comilão, quietinho e caladinho, sem vocação para enfrentamentos. Joãozinho era preguiçoso, e só abria livros quando eles tinha quadrinhos, ou para não ficar de recuperação. Pedrinho era um dos geniozinhos da escola, e vivia falando sobre as estrelas, o sol e as galáxias distantes. Além da sua mãe, só Pedrinho conseguia fazer Joãozinho estudar alguma coisa – muito pouco, mas vá lá, já era alguma coisa, pro menino que só queria saber de jogar bola. Para os Pés de Pedrinho, todas as bolas eram quadradas – mas ele até topava ficar de goleiro para Joãozinho treinar seus chutes mirabolantes no quintal.

E eles cresceram assim, um quente e o outro frio, um seco e o outro molhado, um branco e o outro preto, mas duvidé-ó-dó que você achasse alguém que não dissesse que eles eram os melhores amigos desse mundo.

Tique-taque. E eles cresceram um pouco mais: a mãe de Pedrinho o levou para o médico e ele perdeu alguns quilos, apesar de ter continuado baixinho. Aos 18 anos, era o menino mais esperto quanto um rapazote de 18 anos pode ser, e entrou pra faculdade de medicina. Orgulho da mãe e do pai e, por que não?, orgulho de João. Sim, porque não fazia mais sentido chamar o garoto mais alto e forte do bairro de Joãozinho. Tique-taque. O garoto magrelinho esticou para cima e não demorou a entrar na academia, para esticar para os lados também. Nunca mais perdeu uma briga e foi o primeiro a arranjar uma namorada, depois outra, depois outra, depois duas ao mesmo tempo. Tique-taque. João decidiu não fazer faculdade – ia ajudar o pai com os negócios.

Tique-taque. Pedrinho sempre passava as tardes estudando e as noites no curso de Francês. Tique-taque. João trabalhava com o pai todas as tardes para aprender a tocar os negócios e a noite ia malhar, jogar uma pelada, namorar ou sair. Chamou Pedrinho várias vezes, mas o gordinho não achava lugar no meio dos novos amigos de João – eles conversavam sobre garotas que ele nunca tinha visto, músicas que ele nunca tinha escutado e times a que ele nunca tinha assistido jogar. Tique-taque. Já João não achava lugar, do mesmo modo, no novo grupo de Pedro – agora médico residente, um quase doutor – que viviam compartilhando anedotas sobre os casos mais bizarros do último plantão. Tique-taque. João trocou de carro enquanto Pedro juntava dinheiro para o seu primeiro Tique-taque. Um ano sem se ver. Tique-taque. Doutor Pedro comprou um apartamento pequeno para solteiros e comprou um cachorrinho cujo nome era Sabin. Tique-taque. Sabin cresceu e seu João nunca chegou a vê-lo, agora que estava amarrado, muito bem casado, com uma mulher grávida do seu primeiro filho. Tique-taque. Quando o filho de Seu João nasceu, Doutor Pedro estava de plantão no hospital e passou rapidamente pelo quarto para cumprimentar o velho amigo. Tique-taque. Seu João estranhou os muitos quilos a menos de Doutor Pedro, e o cabelo precocemente calvo. Tique-taque. Doutor Pedro estranhou a barba espessa de Seu João e notou que ele não devia estar com tempo para malhar há um longo período. Tique-taque. A esposa de Seu João conheceu, enfim, o famoso Pedrinho, de que a Sogra tanto falava. Tique-taque. Doutor Pedro comentou que estava partindo para a França. Tique-taque. 'Por quê?', perguntou Seu João. Tique-taque. Doutor Pedro iria fazer mestrado na França. Tique-taque. ‘Parabéns, Pedrinho’, Joãozinho abraçou. Tique-taque. E ele foi, o outro ficou. Tique-taque, Tique-taque, Tique-taque, Tique-taque. Os dois melhores amigos desse mundo, Seu João e Doutor Pedro.



A vida, fatalmente, vai dar suas reviravoltas – uns pra lá, uns pra cá, uns juntos, uns separados, uns feios, uns bonitos, uns felizes, uns tristes. A grande sacada é saber o quanto disso é realmente mudança, e o quanto é algo latente, intrínseco, inerente, intrincado, algo antigo que está aqui desde sempre, mas não entendíamos suas repercussões até vê-las dançando nas nossas caras.

Não que as pessoas não mudem: ao contrário, queridos leitores, elas mudam o tempo inteiro. Mas, às vezes, não é inteligente culpar o tempo e as circunstâncias – porque simplesmente não é culpa deles. A vida é algo que acontece.
Então, meu amigo, é assim mesmo, acontece.

2 comentários:

  1. q postagem linda... nusss, me arrepiou ao terminar de ler... o tique-taque foi um recurso maravilhoso... parecia um filme, tique-taque, tique-taque, passando o tempo. Muito bem utilizado. Continuas a mais bela escritora, M. Parabens!
    até

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  2. Foi triste. Mas é assim, né, tem que seguir. Amizade mesmo não depende de espaço e tempo, apenas é.

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