sábado, 6 de fevereiro de 2010

Física vs. Vida Real

Tomada 1:

Dois namorados estão conversando em um banco da pracinha do bairro. É cerca de seis horas da noite e as crianças da vizinhança já estão recolhendo suas bicicletas depois de uma tarde de brincadeiras.

O namorado está apreensivo, mas tenta não deixar transparecer. Ele já não gosta tanto assim da garota e, já faz algum tempo, decidiu acabar o namoro. A sua namorada tagarela longamente sobre seu dia, sua escola, sua família, suas amigas, enquanto ele escuta calado com um sorriso forçado.

Olhando a quietude à sua volta, o namorado decide que aquela é a hora. Começa então com um ‘precisamos conversar’. A namorada logo para de falar e o olha séria. Ele fala com delicadeza, esforçando-se para não ofendê-la. Não nega que estava um tanto nervoso, mas tentou falar calmamente. ‘Você é uma menina muito bonita, legal e tal, mas...’ Aos poucos, acaba falando tudo. Fica triste pela expressão triste no rosto da então ex-namorada, mas volta para casa satisfeito com o fim racional e adulto que teve aquele curto relacionamento.


Tomada 2:

Dois namorados estão conversando em um banco da pracinha do bairro. É cerca de seis horas da noite e as crianças da vizinhança já estão recolhendo suas bicicletas depois de uma tarde de brincadeiras.

A namorada conta rapidamente sobre o seu dia, aninhando-se no conforto do ombro de seu namorado. Ele ouve calado, mas exibe o seu sorriso mais carinhoso. Como seu sorriso é charmoso! Os olhos meio apertados e o cabelo castanho caindo pelos olhos. A namorada, depois de um relacionamento tão longo, ainda sente seu coração acelerar.

Então ele desfaz aquele sorriso doce e, com uma expressão séria, diz que precisam conversar. A namorada não faz a mínima idéia do que há por vir, mas ouve atentamente.

Ele fala com frieza e rapidez, como quem não liga muito pro que está dizendo. ‘... mas eu não gosto mais tanto de você como no começo’. Ela sente seu coração se despedaçar dentro de si e sai desolada, andando rápido para não chorar na frente dele. Que humilhação! Como ele pode acabar tudo de bonito que eles construíram juntos, de uma forma tão repentina e fria?



Os físicos possuem uma ambição esquisita: explicar o universo através de leis que valham a qualquer tempo e sob qualquer circunstância. Do tipo S= So+vot+at²/2 ou E=mc². Há quem deseje explicar o universo inteiro através de uma única lei!

Eu não sou uma grande entendedora de física, portanto, não vou me meter demais nesse assunto. Mas eu tenho notícias de que no próprio campo de estudo da física, dificuldades inúmeras há pra essa aspiração curiosa: a luz, por exemplo, ora se comporta como partícula, ora se comporta como onda.

Mas eu obviamente não vim aqui para falar sobre física.

Certa vez, vi um documentário na TV a cabo muito interessante, o qual afirmou que é a mesma área do cérebro é ativada para tanto para a lembrança quanto para a imaginação. Isso quer dizer que o que está feito não está feito. Nós recriamos o passado dentro de nossas próprias cabeças, a interpretação da realidade está sujeita às variações desse aqui e desse agora, aos sabores dos nossos sentimentos e emoções. Depois do segundo fugaz em que o presente é presente, ele vira passado e, portanto, ficção.

E há mais! Não é só o passado que é afetado. Como provar que essa realidade, esse segundo fugaz que chamamos de presente, é o mesmo para mim e para você? Nem sabemos se o verde que eu vejo é o mesmo verde que você, caro leitor, vê. Somos enigmas para o outro, como presentes eternamente embalados. Nós observamos a embalagem, apalpamos, cheiramos, balançamos para ouvir o barulho que faz, tentamos adivinhar a surpresa, mas jamais teremos uma dimensão completa do que há dentro da caixa.

Tanto o outro, como a realidade em si, são vistos sempre através dos óculos escuros da nossa história e das nossas emoções.

Assim sendo, vim fazer um apelo: Por favor, parem de tentar criar leis, regras ‘universais’ para a vida real; e por ‘vida real’ eu pretendo significar nada mais que nosso cotidiano, nosso dia-a-dia banal enquanto pessoas. Deixem isso para os físicos, eles são bons nisso. Para os demais, isso é redondamente impossível.

Claro que existem padrões de comportamento. Mas tais padrões não são leis eternas que podemos vislumbrar por trás de cada ser humano, mas são representações lingüísticas de uma generalização que fazemos a partir da observação da realidade concreta.

Só que, como visto, essas generalizações possuem um sério problema: não só a realidade muda o tempo inteiro, como nossas próprias observações são duvidosas. Lembre-se da conversa entre nossos dois conhecidos namorados, logo acima. Não parecia que eles estavam no mesmo relacionamento. Na verdade, nem mesmo parecia que eles participaram da mesma conversa! Quantas vezes vamos conversar com um amigo com quem havíamos brigado e saímos achando que está tudo resolvido, enquanto o outro sai fulo da vida?

Portanto, por favor, não é porque vocês acharam − e a palavra é exatamente essa, acharam, encontraram – um padrão de comportamento aqui, que vocês vão tentar impor ele para o mundo inteiro, para sempre. Não há uma única forma de lidar com os mais velhos, como não há um momento certo para se dizer que se ama, como não há uma forma ideal de conquistar alguém, como não há um caminho certo para a felicidade. Parem com essas tentativas de padronizar o comportamento das pessoas, isso é pura perda de tempo.

Nesse plano, viver se parece muito com a gramática. A língua existe, as pessoas falam – a partir daí os gramáticos criam regras, mas sempre acaba sobrando algumas dezenas de exceções.

Não estou categoricamente afirmando que não há leis universais no tocante ao que é ser humano. Apenas afirmo que nós não somos capaz de alcançá-las, se existirem. Se há um ser capaz de enxergar essas leis universas por baixo de todos os panos da humanidade, certamente não é humano.

Estamos os humanos imersos nesse nosso momento da história, nós fazemos parte dela. E tudo o que fazemos, dizemos, criamos, pensamos, observamos é a própria história. O universo observa a si mesmo, o mundo observa a si mesmo.

Nós somos mentalmente limitados pelo que aconteceu antes de nós e o que acontece dentro da gente; e obviamente mais complexos do que um par de moléculas ou uma esfera e um plano inclinado. Então é o que eu digo: Deixem as leis universais para os físicos, eles são bem melhores em lidar com elas.

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